Thursday, November 23, 2023

DOI Denominação de Origem Inventada - DOI Denominazione di Origine Inventata



DENOMINAZIONE DI ORIGINE INVENTATA Alberto Grandi (Mãntua, Itália – 1967) é um professor associado da Universidade de Parma. Ensina História das Empresas, História da Integração Europeia, História Econômica e História da Alimentação. Publicou diversas teses, artigos e livros, ficou famoso ao publicar em janeiro de 2018 “DOI – Denominazione di Origine Inventata”, livro que rapidamente transformou-se num best-seller. O sucesso foi tão grande que nasceu um podcast (em Italiano) com o mesmo nome, que já chegou à terceira estação. 

No livro, assim como no podcast, ele trata das mentiras contadas sobre a história da cozinha italiana. A abertura do podcast é: “A carbonara é uma receita americana; o vinho Marsala foi inventado por mercantes ingleses; até alguns anos, o único ingrediente do molho all’Amatriciana era a cebola. Os produtos típicos italianos são muito bons, mas a história deles é uma mentira contada a partir dos anos setenta, mais ou menos. Benvindos a DOI, denominação de origem inventada, o post de Alberto Grandi, que lhes conta a verdade, nada mais que a verdade, sobre a tradição – um pouco improvisada – da cozinha italiana”. Mas tem muito mais. Ele desmistifica os mitos da cozinha italiana através da História. É um livro pequeno, divertido e ao mesmo tempo acadêmico. Vai acabar chegando no Brasil, traduzido. 

 Se você é fluente em italiano, o podcast encontra-se em todas as plataformas digitais. Não uso nem Spotify no celular (nem e-mail, app do banco, etc.), prefiro ouvir através desse link abaixo, que não exige cadastro, nem nada. Basta mover a barra de rolamento até o início, lá em baixo, e ouvir o primeiro episódio da primeira estação. E depois ir ouvindo os seguintes. É grátis, informativo, interessante e divertido. Aproveite.

Sunday, July 16, 2023

Cardápio sazonal italiano

Uma amiga escreveu sobre cardápio semanal de restaurantes de São Paulo (Segunda: virado à paulista; terça: dobradinha ou bife a rolê; quarta: feijoada; quinta: massa; sexta: peixe; sábado: feijoada) e lembrei de uma atitude que sempre me intrigou. Por que comemos feijoada no verão? Vejam bem, sou carioca e adoro feijoada. Ia ao Largo da Carioca (ou na Lapa, ou em Santa Teresa, ou no CADEG...) comer feijoada em qualquer época do ano. É costume local e não abria mão, mas eu tinha vinte anos.

Nem pense em pedir um ‘cacciucco ala livornese’ ou uma ‘ribollita’ em restaurantes italianos, no verão (ou um ‘einsben’ ou ‘kassler’ na Alemanha). São pratos de inverno. Vão te prender na mesma cela dos estrangeiros que pedem capuccino depois do almoço e dos que põem ketchup na pizza. Aqui os restaurantes têm, pelo menos, dois cardápios: de inverno e de verão. E não só pela sazonalidade dos vegetais, mas principalmente pelo clima. A oferta de chocolate nos supermercados, por exemplo, é muito reduzida a partir da metade da primavera e vai até o a metade do outono.

O Natal brasileiro é a época em que comemos castanhas portuguesas, longos assados, carne defumada e muito, muito doce. Assim como no hemisfério norte.

As trattorias e osterias são as melhores opções para se comer bem, na Itália. Além de ‘pasta in bianco’ (sem molho) e um ou outro prato típico, o menu é montado pela manhã, depois que a cozinheira ou cozinheiro voltar do mercado. A escolha do que comprar leva em consideração os produtos da época e o preço. Nessa ordem.

Um amigo italiano contou que foi visitar a filial brasileira da multinacional em que trabalha. Um rapaz simpático foi designado para ser seu cicerone. No último dia o acompanhante programou um jantar num restaurante e aproveitou para levar a esposa. “Você não pode sair do Brasil sem conhecer o prato típico da nossa cultura.” E lá foi o gringo se esbaldar com a nossa feijoada. Do restaurante foram direto para o aeroporto para as quase doze horas de viagem, quando se despediram. E do aeroporto italiano direto para o hospital. “A minha vingança será terrível”, disse. Vai se frustrar, brasileiro não dá bola para sazonalidade. Mesmo que passe mal.

Receita de cacciucco alla livornese 

Tuesday, June 13, 2023

Shiva - 15.4.2014 / 12.6.2023

 





Shiva faleceu ontem, de insuficiência renal. No início do ano passado o veterinário Filippo Molina (que diversas vezes o curou, espetou, costurou e brincou sentado no chão da nossa casa, tornando-se não apenas um amigo, mas também o anjo da guarda do peralta) descobriu que ele havia um grave problema nos rins. Com a preciosa colaboração da veterinária Hilary Civettini e o pessoal do ambulatório Cer.Pa, buscaram todos os meios para retardar a evolução da doença e permitir a melhor qualidade de vida possível. Fica a nossa gratidão ao excepcional time de profissionais e à veterinária e nutricionista Rossella Di Palma, pelas suas dietas caseiras miradas. Estava bem, considerando os valores dos vários exames efetuados, até o mês passado. Aos poucos foi-se debilitando e nos últimos três dias apresentou um sério agravamento da sua condição. Estávamos em casa, enchendo-o de carinho, eu e a Eloá, aguardando a chegada do veterinário do coração, que o faria dormir. Foi antes, rebelde como sempre. 

Foram quase seis anos de muitas brincadeiras, dengos, catástrofes, lambidas, lutas, corridas, sustos, muito carinho, mergulhos no rio, beijos, passeios, uivos quilométricos, demolições, cafuné, ameaças, mordidinhas e vexames em público. Ah, Shiva! Sem você essa cidade será um tédio sem fim. 

 Com amor, 
 Sua família.

Sunday, June 04, 2023

Trilha sonora italiana - Pino Daniele - Napule è


 

Pino Daniele era um músico de muito sucesso na Itália, falecido em 2015, com sessenta anos. Sua música mais famosa, “Napule è”, foi lançada em 1977 no seu primeiro disco, quando havia apenas dezoito anos. Toca nas rádios ainda hoje. O curioso é que ele cantava muito em dialeto napolitano. 

Abaixo, deixo a letra em napolitano, traduzida em italiano e em português. No vídeo acima, um dueto dele com Pavarotti. 

Napule è (em dialeto napolitano) 

Napule è mille culure 
Napule è mille paure 
Napule è a voce de' criature 
Che saglie chianu chianu 
E tu sai ca' non si sulo 

Napule è nu sole amaro 
Napule è addore e' mare 
Napule è na' carta sporca 
E nisciuno se ne importa 
E ognuno aspetta a' sciorta 

Napule è na' camminata 
Int'e viche miezo all'ate 
Napule è tutto nu suonno 
E a' sape tutto o' munno 
Ma nun sanno a' verità 

Napule è mille culture 
(Napule è mille paure) 
Napule è nu sole amaro 
(Napule è addore e' mare) 
Napule è na' carta sporca 
(E nisciuno se ne importa) 
Napule è na' camminata 
(Int' e viche miezo all'ate) 
Napule è mille culure 
(Napule è mille paure) 
Napule è nu sole amaro 
(Napule è addore e' mare) 

 (em italiano) 
Napoli è mille colori 
Napoli è mille paure 
Napoli è la voce dei bambini 
che sale piano piano 
e tu sai che non sei solo 

Napoli è un sole amaro 
Napoli è odore di mare 
Napoli è una carta sporca 
e nessuno se ne importa 
e ognuno aspetta la fortuna 

Napoli è una passeggiata 
nei vicoli, in mezzo agli altri 
Napoli è tutto un sogno 
e la conosce tutto il mondo 
ma non conoscono la verità 

Napoli è mille colori 
Napoli è mille paure 
Napoli è un sole amaro 
Napoli è odore di mare 
Napoli è una carta sporca 
e nessuno se ne importa 

Napoli è una passeggiata 
nei vicoli, in mezzo agli altri 
Napoli è mille colori 
Napoli è mille paure 
Napoli è un sole amaro
Napoli è odore di mare

 (em português)

Nápoles é mil cores 
Nápoles é mil medos 
Nápoles é a voz das crianças 
que sobem devagarinho 
E você sabe que não está sozinho 

Nápoles é um sol amargo 
Nápoles é o cheiro do mar 
Nápoles é um papel sujo 
e ninguém se importa 
e todos esperam pela sorte 

Nápoles é um passeio 
nos becos, no meio dos outros 
Nápoles é tudo um sonho 
e sabem disso em todo o mundo 
mas não sabem a verdade 

Nápoles é mil cores 
Nápoles é mil medos 
Nápoles é um sol amargo 
Nápoles é o cheiro do mar 
Nápoles é um papel sujo 
e ninguém se importa 

Nápoles é um passeio 
nos becos, no meio dos outros 
Nápoles é mil cores 
Nápoles é mil medos 
Nápoles é um sol amargo 
Nápoles é o cheiro do mar

Tuesday, March 07, 2023

Parmigiano Reggiano x Grana Padano

 





 

A confusão começou com uma lei de 1954 que instituiu as denominações dos muitos queijos produzidos no território italiano. Até então o termo “grana” era muito abrangente, apesar de designar somente os queijos de leite de vaca produzidos com técnicas similares, cujo produto era um queijo maturado de pasta granulosa (daí o nome grana), típicos da Planície Padana. Foi então solicitado o reconhecimento da denominação de origem Grana Padano, por ser esta a que melhor representava a vasta região geográfica dos diversos tipos de queijo mais ou menos iguais.

Qualquer produtor que desejasse usar o termo grana passo a ter que submeter-se às regras de produção do Consórcio Grana Padano DOP (Denominação de Origem Protegida), respeitar todas as características e obedecer ao processo de produção, além de situar-se nas zonas tradicionais. A verificação, controle periódico e autorização do uso do termo ficam a cargo do Consórcio de Tutela do Queijo Grana Padano, que é muito rigoroso. Por outro lado, o duque de Parma, Ranuccio Farnese I, em 1612, oficializou a denominação de origem dos queijos produzidos numa zona que compreendia Parma e outras poucas localidades como “Queijos de Parma”. O Grana Padano, por sua vez, é produzido numa área muito mais ampla, abrangendo diversas províncias das regiões Piemonte, Lombardia, Emilia-Romanha, Vêneto e Trentino Alto-Adige. Existem outros queijos grana além dos dois mais famosos, só não podem usar partes das marcas Grana Padano e Parmigiano Reggiano.

Fora isso, existem pequenas e sutis diferenças entre os dois queijos italianos mais consumidos: O Parmigiano leva somente leite, coalho e sal. O Padano tem que adicionar o conservante lisozima (descoberto por Alexander Fleming, o mesmo que descobriu a penicilina). Isso porque aos produtores do Padano é permitido o uso de forragem ensilada, que pode desenvolver bactérias, o que não acontece com o Parmigiano, que só permite o uso de forragens frescas ou secas. Mas a grande diferença entre os dois é o local de produção. Mesmo entre os diversos produtores do Parmigiano, em número infinitamente inferior aos do Padano e concentrados numa área também muito menor, as diferenças existem. E no Padano, então, nem se fala. Um queijo produzido com leite de vacas alimentadas com feno fresco das montanhas, no período da transumância, é diferente do queijo produzido na planície, por exemplo. Repare na existência de um número impresso a fogo nas formas dos queijos grana. Esses números indicam o queijeiro que o produziu. Mas tudo isso traz diferenças sutis, perceptíveis somente por quem opera no setor ou com os sentidos de olfato e gosto muito, mas muito refinados.

Um teste proposto durante encontros com clientes, quando então eu era gerente de produtos frescos numa cooperativa de compras de uma rede de supermercados, era a de promover testes de degustação cega (não fui eu que inventei o teste, apenas tive que seguir uma tradição antiga). Ou seja, os participantes não sabiam o que estavam provando. Nessa prova mostrávamos duas formas, uma de Grana Padano e outra de Parmigiano Reggiano e cortávamos na frente deles. Escolhíamos um pedaço de cada forma e, a partir daí, dividíamos os pedaços escolhidos protegidos dos olhares de todos. Em seguida servíamos pedaços retirados do centro de um dos dois queijos. Os degustadores deveriam preencher um breve questionário sobre as características do que tinham acabado de consumir. Um pouco de água e pão para limpar a boca e a segunda rodada começava. Servíamos, então, lascas do mesmo pedaço, mas da parte mais próxima à crosta e a avaliação se repetia. Não havia nenhum mal-estar, pois os resultados nunca eram divulgados. Resumo: nos oito anos em que trabalhei lá, nenhum italiano demostrou saber diferenciar um do outro, mesmo consumindo o produto – provavelmente – todos os dias.

Portanto, anote aí: Parmigiano Reggiano e Grana Padano são queijos do tipo grana. Agora, o vinho...

Observe as respectivas zonas de produção no mapa.



 

Tuesday, January 17, 2023

INVERNO?

 

A primeira neve de novembro não caiu.

Dezembro passou e não trouxe o frio.

Janeiro, coitado, é um outono atrasado.

Prometeram que iria nevar.

Promessas, quem há de acreditar?

Quando a noite acorda a luz da rua

Parece que chegou o inverno.

Esclarecido pela luz da Lua,

Lembro, julho será um inferno.

Quando o calor chegar

E a seca inundar a plantação,

Pode apostar:

Vai ter migração.

Nos leitos secos dos rios

Mensagens em rochas irão brotar,

Contando de tempos sombrios,

E as gentes irão chorar.

Sobra rima.

Falta solução.

Friday, December 16, 2022

A seca no planeta Piacenza

         Os esquimós saberão o nome da neve desses dias. É uma neve fininha, fininha, que cai de madrugada. De tão fina, derrete assim que toca o asfalto. “Chuviscou”, dirão os que se levantam depois das sete.

Nas primeiras semanas de novembro ainda dormíamos com ventilador. O resto do mês foi reservado ao inverno, prepotente que não nos permitiu o outono. E agora, neve. Fininha, mas sempre neve é. Ah, e ainda tem o vento. Aquele vento pelo qual rezamos no verão e que chega sempre atrasado. Esta semana a temperatura subiu e atingimos os oito graus positivos. Não sob o sol, que não dá as caras tem dez dias. Chás, vontade de chocolate quente e aquecimento ligado.

Piacenza não é uma cidade de pouco mais de cem mil habitantes. Tampouco uma região. Piacenza é um mundo à parte, capaz de sobreviver isolada do planeta. Se a neblina autóctone decidisse isolar a província perenemente, ainda assim Piacenza sobreviveria. Sim, a neblina – assim como não poucas uvas – são produtos exclusivos daqui.

O resto do mundo deveria viver como em Piacenza e não teríamos os problemas climáticos que enfrentamos hoje. Os bosques são preservados e a caça é regulamentada (não que eu aprove a caça, não aprovo); mel não falta; a pecuária de leite funciona a todo vapor; o pequeno agricultor é um dos pilares da economia local; temos frutas e verduras frescas, queijos, grãos, carnes e ensacados; o vinho, ...Ah, o vinho!

O risco de ver tudo isso desaparecer, porém, tem assustado o povo daqui. Com o verão invadindo o que deveria ter sido o outono as montanhas não congelam. O frio chegou tarde. Se a temperatura não diminui no momento certo, a neve acaba isolando a montanha que, desse modo não congela mais. Pode nevar o quanto for, vai tudo derreter logo no início da primavera, privando o verão – e a agricultura e o abastecimento das casas e... – de água. Os muitos riachos, córregos e o nosso amado rio Trebbia permaneceram secos no verão passado. E, é claro, a neve derretida toda de uma vez causou danos.

Caso as montanhas não congelem, teremos que racionar água novamente. A seca aqui foi braba, esse ano. Mais de duzentos dias sem chuva e nada de neve derretendo para suprir as nascentes. Precisamos de água para o nosso mundo não perecer.

Por tudo isso eu peço a vocês, que não fazem parte desse mundo perdido entre a planície nebulosa e as montanhas vinícolas: não desperdicem água. Bebam vinho.